segunda-feira, 12 de outubro de 2015

A misteriosa Ivaná

         Em 1953 o grande diretor teatral Walter Pinto, sempre buscando novas atrações internacionais para seus luxuosos espetáculos, anunciou a contratação da vedete francesa Ivaná, vinda das principais casas de espetáculos parisienses. Ivaná estreou nos palcos brasileiros no espetáculo É Fogo na Jaca (1953).



         Ivaná na verdade era portuguesa e a nacionalidade francesa foi um golpe publicitário, muito comum naquela época. E também tinha outro “segredo”, Ivaná era homem. Nascida Ivan Monteiro Damião, Ivaná ficou famosa nos palcos brasileiros justamente por este mistério que a envolvia. Dona de uma grande beleza a elegância, o público custava a acreditar que aquela bela mulher que cantava em francês era na verdade um rapaz travestido. Na publicidade do espetáculo, Walter Pinto anunciou que uma de suas “girls” era um transformista, mas não disse qual a princípio. Os espectadores suspeitaram da também estreante Jane Grey, que tinha um rosto anguloso e um tanto masculino, segundo alguns. Foi a revista Manchete quem revelou a verdadeira identidade de Ivaná, mas ainda lhe atribuindo a nacionalidade francesa.

      
Carmen Miranda cumprimenta Ivaná (ou Ivan),
nos bastidores de Eu Quero Me Badalar (1954)

       A artista ficou conhecida, erroneamente, como a primeira travesti do nosso teatro de revista. Mas ela mesma fazia questão de corrigir esta informação. Em entrevista à Revista do Rádio em 29 de julho de 1961 fez questão de lembrar que o pioneiro: “Antes de mim, os brasileiros tiveram ainda Aimo (sic), que apesar da idade avançada, ainda continua a trabalhar. Êle é o verdadeiro pioneiro”.

         Aymond, o artista citado por Ivaná era argentino, nascido Norberto Americo Aymonino. Veio a primeira vez ao Brasil em 1926, com a Companhia Argentina de Revistas. Estreou no Theatro Phenix na revista A-E-I-O-U, em 29 de julho de 1926. Após o final da temporada, retornou com a Companhia para a Argentina. Chamado de “O artista da garganta de ouro”, imitava artistas como Jeanette MacDonald, Raquel Meller, La Argentina e Mercedes Simone.

       
Aymond

             Em novembro de 1928 ele retornou aos palcos brasileiros, atuando na revista Palácio das Águias, no Theatro Recreio. No elenco Alda Garrido, Olympio Bastos (o cômico de origem portuguesa, conhecido como Mesquitinha) e a argentina Lydia Campos, anunciada como “Musa do Tango”.

           Em 04 de dezembro de 1928 o jornal carioca A Manhã registrou uma crítica sobre Aymond: “(...) Chamam-no fenômeno vocal. Por que? É que o homem possue uma voz que a gente não sabe bem se é de homem, se é de mulher. Voz curiosa. E porque é curiosa, o público aplaudiu. Foi o único “bis” da noite.Mas Aymond, que fora feliz cantando á sua maneira, quis imitar Lydia Campços, anunciou que ia imital-a. Imitando-a, porém, continuou a ser Aymond, nada mais, nem um traço caracaterstíco de Lydia.”

      Depois não encontramos mais informações sobre Aymond no teatro de revista, mas ele continuou atuando. Anunciado como “O Imitador do Belo Sexo”, Aymond continuou se apresentando em pequenos shows, geralmente antes de exibições cinematográficas, como fez em 1933 no cinema Alhambra, no Rio de Janeiro, e no ano seguinte em Belo Horizonte.

Ficha de Aymond no DOPS de Recife, em 1938, disponibilizado pelo site Obscuro Fichário

        Mas Aymond também não pode ser o detentor do título de introdutor do transformismo no teatro de revista brasileiro. Números de travesti eram muito comuns, mas geralmente eram feitos por atores cômicos, em paródias. Porém no começo do século XX apresentou-se nos palcos cariocas o norte-americano John Bridges (ou João Bridges como as vezes é creditado), que imitava no palco a atriz Pepa Ruiz, estrela portuguesa de grande sucesso nos palcos brasileiros. E nesta época, os jornais já o consideravam rival do “artista exótico” Visconti, de quem não conseguimos maiores informações.

Anúncio da apresentação de John Bridges, publicado no jornal
                                                                O Paiz 21 de maio de 1895

             Ainda destacamos pelo menos mais um transformista, o norte-americano John Bridges. Vamos encontra-lo se apresentando no Cine Theatro Yolanda, Rio de Janeiro, em 1919. Bank atuava em pequenos shows mambembes no. Encontramos poucas informações sobre o artista, mas anúncios de suas apresentações são encontrados até 1946.


Fichas de Walter Bank em 1943, também do site Obscuro Fichário


       Voltando a Ivaná, ela ainda passaria pela companhia de Silva Filho e depois retornaria a trabalhar com Walter Pinto em mais duas ocasiões, incluindo no enorme sucesso Eu Quero é Me Badalar (1954-55), com a vedete Salomé Parísio. Também atuou em alguns filmes, sendo o primeiro deles Mulher de Verdade (1954), do diretor Alberto Cavalcanti.

Ivaná e Zé Trindade, no filme
Mulheres Cheguei (1956)

Ivaná cantando no filme
Mulher de Verdade (1954)

     Na década de sessenta, mudou-se para São Paulo, onde atuou em muitos shows de importantes boates, mas começou a entrar em decadência e sofrer perseguições políticas com a chegada da ditadura militar no país.

     Ivaná faleceu na década de noventa. Para saber mais sobre Ivaná, leia “Cá e Lá, o Intercâmbio Cinematográfico entre o Brasil e Portugal”, de Diego Nunes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário